quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Medo do escuro
À noite, depois de colocar Lala e Santi nos seus berços, acendo a luz do corredor. Porque criança tem medo do escuro. Criança tem medo de cachorro grande. Criança tem medo de a mãe ir embora. Criança tem medo de bicho papão, de lobo mau e da bruxa malvada. Em suma: criança é um bichinho frágil, covarde e assustado. Bobagem. Nós é que somos. Estou convencida de que os medos da criança são os nossos, que transferimos para eles.Por duas décadas eu tive medo de gato, porque minha mãe ficou traumatizada com o bicho quando se viu trancada numa cozinha com meu avô e um gato. Encurralado, o bichano virou uma onça e minha mãe nunca mais esqueceu o olhar arregalado, parado, defensivo, do gato. Ela me injetou isso na veia. Gato para mim era uma ameaça. Hoje gosto de gato, já tive vários, mas sempre terei uma leve desconfiança e ressalva.É possível que Lala e Santi morram de medo de rato, de cobra, de altura, como eu. Mas se eu não contar nada sobre isso para eles, é possível também que queiram uma cobra como bicho de estimação, coloquem um ratinho para andar no braço deles.Quando olho para mim e olho para eles, vejo dois serezinhos destemidos e uma mãe amedrontada. Não que eu seja uma molenga que tem medo de tudo, mas tenho lá minhas cismas. Tenho uma grande cisma com moto. É quase certo que esse medo eu não conseguirei transferir para eles.Santi vai crescer, os pêlos embaixo do braço vão aparecer e ele Santi vai pedir ao pai uma moto. Será uma batalha daquelas: mamãe x “a moto”, com o pai no meio de árbitro. Laura vai querer pular de pára-quedas ou escalar o Everest. Ou os dois vão se enfurnar na noite como vaga-lumes e me deixar acordada e preocupada.Tanto para ele, quanto para ela vou rezar e admirá-los por serem mais corajosos que eu. Como já os admiro por já serem mais corajosos que eu ou destemidos como fui um dia, na inocência dos primeiros anos da infância. Como os admiro cada vez que eles caem no chão, batem a cabeça, ralam o joelho e mesmo assim se levantam e tentam se novo. Filhinhos, mamãe acende a luz do corredor porque tem medo de não vê-los no berço, do bicho papão vir pegar vocês, da bruxa malvada vir assustá-los, de vocês irem embora. O medo às vezes é uma questão de sobrevivência. Se lá o que for, deixem a luz acesa para mim, sempre. Boa noite e durmam com os anjinhos.
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