"Queridos defensores de progênie em toda a natureza - nobres, abnegados, doces e ferozes: o Dia das Mães se aproxima - será que você merece nossa admiração? E nós, será que de fato nossas fotos enfeitam os cartões que, como filhos econômicos, vamos mandar no lugar de um presente de verdade? Uma porquinha-da-índia caminha, seguida por uma dúzia de filhotes. Uma mãe e um bebê panda dividem um pedaço de bambu. Uma águia negra carrega comida para seus filhotes que a aguardam. Nós te amamos, mãe, você é nosso porto na tempestade. Só você pode ajudar a cortar as unhas de sangue da Mãe Natureza. Mas espere. Aquela porquinha-da índia está andando rápido demais. De fato, seus filhos não conseguem acompanhá-la e, no final do dia, opa, somente dois ainda restam. E a mãe panda, ela não deu à luz a gêmeos? Então por que apenas um pandinha emerge de seu esconderijo? E a águia negra africana? Seu ninho parece mais um verso de Edgar Allan Poe do que um poema da Hallmark. A mãe tem comida em abundância e carcaças de hyrax (dassie) sobrando. Mesmo assim, alimenta apenas um de seus dois filhotes e fica parada com cara de entediada enquanto o gordinho bica seu irmão esfomeado até a morte.
O que há de errado com essas mães sem coração, que dão a vida e depois a jogam fora? Serão loucas ou doentes ou pouco naturais?(...) Por mais que gostaríamos de acreditar que as mães são programadas para nutrir e proteger seus filhos, lutar até a morte, se necessário for, para manter suas crias vivas, de fato, abundam mães na natureza que desafiam esse comportamento maternal preconcebido em uma série de formas macabras. Existem mães que comem a prole com gosto e mães que bebem o sangue dos pequenos. Mães que fazem os filhotes brigarem até a morte e mães que alimentam uns com a carne dos outros. Entre vários mamíferos, inclusive leões, camundongos e macacos, as fêmeas abortam espontaneamente os fetos ou abandonam os recém nascidos quando a situação está difícil ou um macho novo aparece na cidade. Outras, como pandas, praticam uma forma de planejamento familiar pós-natal, parindo um filhote que pode ser chamado de herdeiro e um sobressalente. Depois, quando o herdeiro se sai bem, ela abandona o estepe sem nem um adeus. "Os pandas freqüentemente parem gêmeos, mas nunca criam os dois filhotes. Este é o lado negro dos pandas: eles têm dois e jogam um fora", disse Scott Forbes, professor de biologia da Universidade de Winnipeg. Também é algo que os zoológicos raramente explicam em suas mostras populares de pandas. "Eles consideram isso má propaganda", disse Forbes. Os pesquisadores há muito consideravam o infanticídio e atos similares de trapaça maternal como gestos patológicos, devido ao estresse extremo da mãe. (...) No filme de sucesso "A Marcha dos Pingüins", os pingüins imperadores foram retratados como pais de conto de fadas, amando cada ovo gerado e sofrendo com cada um que rachava antes do tempo. Entre os pingüins reais, menos famosos, a mãe coloca dois ovos em cada temporada. O segundo é 60% maior que o primeiro. Logo antes de ser colocado, a mãe joga o primeiro ovo para fora do ninho sem culpa. Nos pingüins de Magellan, a mãe também coloca dois ovos e permite que os dois sejam chocados; somente então ela começa a discriminar. Dos peixes que traz ao ninho, dá 90% ao filhote maior, enquanto o menor grita por comida. No frio impiedoso da Antártica, o pássaro mal nutrido invariavelmente morre. Como os pingüins, muitas espécies que habitualmente se desfazem de parte de sua progênie vivem em ambientes duros ou incertos, nos quais animais imaturos morrem facilmente e vale a pena ter um sobressalente. Ao mesmo tempo, a dureza e a incerteza tornam virtualmente impossível para a mãe criar vários filhotes. Então, se o primeiro sobrevive, o sobressalente precisa ir. Algumas vezes, a mãe faz o trabalho sujo ela mesma; freqüentemente, deixa seu preferido despachar o substituto. Quando Douglas W. Mock, da Universidade de Oklahoma, começou a estudar garças no Texas, há três décadas, ele sabia que os filhotes maiores em uma ninhada bicariam os menores até a morte. Mesmo assim, Mock ficou chocado com o que viu -ou não conseguiu ver. Ele tinha imaginado que os ataques assassinos certamente ocorreriam enquanto a mãe e o pai estivessem pescando. "Eu imaginei que, se os pais estivessem por perto, eles tentariam impedir essas coisas", disse ele. "Eu tenho três irmãos mais velhos e nunca teria sobrevivido se meus pais não intercedessem." Em vez disso, Mock testemunhou uma indiferença parental extrema. A mãe ou pai ficavam por perto, ao lado do ninho, sem fazer nada enquanto um filhote surrava o irmão. "O pai bocejava ou se coçava e parecia completamente indiferente", disse Mock, autor de "More Than Kin and Less Than Kind: The Evolution of Family Conflict" (mais do que parentes e menos do que gentis: a evolução do conflito familiar). "Nos 3.000 ataques que testemunhei, nunca vi um pai tentar impedir. É como se esperassem que isso acontecesse.(...) - tradução de Deborah Weinberg para UOL"
(Fonte: Natalie Angier in “One Thing They Aren't: Maternal” in The New York Times, 9/5/2006)
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